Sei que, por vezes, torna-se aparentemente confortável ser um bloco de gelo, desafiando o calor dos sentimentos que ardem em chamas agitadas, autênticas, bem à nossa volta. Rígidos, sozinhos, procuramos o conforto numa almofada vazia de emoção, nostágica, fria como uma lápide, receando derreter. O gelo conserva-se assim. Ninguém percebe a recusa fria de um carinho oferecido, seja um mimo, um pequeno gesto, uma palavra de confiança, um beijo, um afago de amor modesto que interrompe a jornada dura, um sorriso que está sempre no rosto e que é apagado e solicitado para um outro dia e uma outra hora, como que programado, na vontade cruel de que isso seja realmente possível, num momento em que dê mais jeito. Os problemas diários da vida não implicam afastar quem nos mima, de forma natural, sem sufoco, sem cobrar, sem incomodar... Pelo contrário... Essa dedicação não é digna de indiferença. Uma vez jogado no lixo, o sentimento que ferve espezinhado, desprezado, humilhado e reduzido, deixa de ter algum fundamento. Arrefece. A página do livro vira-se assim num vazio silencioso, salpicada por pequenas gotas salgadas que transbordam semi-secas, magoadas, mumificadas, criando crostas ocas, incompreendidas. O tributo ao amor e à amizade fez-se da forma mais genuína. E o livro fechou-se.
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