sexta-feira, novembro 25, 2005

Tempo...

São 2h31 da madrugada. Ainda não chegáste e fico eu aqui pensando nos tempos de adolescente em que a noção de amor era outra. Perguntaram-me hoje o que seria da vida se não houvesse contagem do tempo. Esta é uma questão que entrelaçou as minhas memórias e fixou-as contra a parede, como se tudo em volta estivesse estagnado. Preciso delas, das memórias. Não alimentam o meu tempo presente, não é isso.Tu sabes. Sempre soubeste. Foste o meu primeiro amor de verdade, era eu uma adolescente tímida, agarrada aos livros e aos sonhos. Espreitei-te mil e uma vezes atrás de uma árvore, receando ser apanhada no meio de uma atitude imatura, mas desejando não ser invisível aos teus olhos. Tu sabes... Se o tempo não fosse vivido em progressão, hoje seria vazia de recordações. Não teria então guardado no meu viver de adolescente a mais bela paixão que alguém pode viver, em silêncio, sentindo o cheiro do teu sorriso à distância, esse sorriso pelo cantinho dos lábios, que me fazia ganhar o dia, a vida e tudo o mais. E os meus passos de miúda apaixonada ganhavam ritmo, cor e alegria. E o olhar, quase tímido, mas único, atrevido, aventureiro, forte e sensível e que me tocava e acarinhava sem se dar conta. Sim... era esse o olhar que eu lia em ti quando os nossos olhos se abraçavam. Ainda bem que o tempo existe.

terça-feira, novembro 22, 2005

Um choro no beco...

Há já algum tempo que aprendera a gatinhar. Notara que a vida ao seu lado era distante e fria e tornou-se mórdiba quando o depositaram junto a um depósito de lixo. O ar estava quente e abafado. Nesse momento, um cheiro a sujidade e comida podre invadiu-lhe o nariz pequenino e os seus pulmões mostraram o poder do seu choro. E chorou. Chorou tanto que as luzes do beco acenderam-se uma a uma e alguém numa janela gritou, jogando um objecto cujo impacto no solo trouxe-o à realidade do mundo enorme que o rodeava e sentiu medo de tudo. O seu choro não cessou. Em pijama, meia adormecida, continuei descendo as escadas, tropeçando, descalça, na minha própria agonia. O elevador estava avariado. Descia do quinto andar, numa ânsia profunda de acarinhar as lágrimas de solidão que ecoavam no beco, batendo no fundo da minha alma. Cheguei junto dele e baixei-me. Era o bébé mais lindo que alguma vez vira. Quando se apercebeu da minha presença, cessou o choro angustiado e sorriu. Sorriu seguindo a emoção dos meus olhos. Tinha uns olhos lindos, sorridentes, mais verdes que um campo de erva acabado de receber água dos céus. A lua acarinhava aquele corpinho trémulo e assustado, implorando protecção. Peguei-o nos braços, encostei-o ternamente ao peito e foi assim que a vida me deu um filho.

terça-feira, novembro 08, 2005

Confesso-te...

Foram várias as vezes que abracei a morte. Foram várias as vezes que decidi viver. Foram tantas as vezes que abracei a vida. Foram várias e muitas as vezes que amei. Nunca me senti atraída pela tristeza de ninguém. Não vivo do sofrimento dos outros. Isso corrói-me. Destrói-me. A incapacidade de ficar assistindo ao sofrimento de alguém, seja ele quem for, sem poder dar uma palavra ou estender a mão, é a dor mais forte que se pode sentir. É um revirar doloroso das entranhas. É perder vida. É perder sangue e ser fria como a pedra de mármore que cobre um corpo acabado de ser entregue ao solo escuro. Na minha vida nunca houve busca desesperada. Nunca houve presas. Não fiz das pessoas vítimas de mim. Isso vê-se no que escrevo.Isso vê-se na emoção que transborda em cada palavra que escrevo e onde se adivinham por vezes lágrimas ou sorrisos. Procuro fazer de cada dia, um momento diferente e especial, mimando e acarinhando alguém que amo e que posso não ver mais no dia seguinte, porque a vida a um dos dois foi roubada por não ser eterna... Temo perder as coisas mais preciosas que a vida me colocou no colo e que foram espalhando amor e amizade no meu caminho. Por isso, não faço delas um brinquedo, como uma criança fascinada com a sua nova fantasia, mas levo a sério e muito, os outros, essa multidão que justifica a minha existência. Se eu pudesse, não hesitaria em arriscar a minha vida por alguém... Não o escrevo por ficar ou parecer bonito. Escrevo porque é assim que sinto as coisas. Vítima de acidente grave, semi-drogada com analgésicos e traumatizada com o sucedido, ao sair do hospital, deparei-me com uma criança que, na inocência dos seus 3 anos aproximadamente, se contorcia de dores, com metade do rosto desfeito, desfalecendo em sangue. No isolamento, onde estive por longas horas e cuja porta ficou semi-aberta, vi passar uma maca. Nela padecia um senhor de idade avançada que não conseguia respirar. Fizeram-lhe ali mesmo, no corredor, a tentativa de reanimação. Instintivamente, tentei sair da cama, retirar o soro e os tubos que me furavam as veias e quis ajudá-lo... De imediato, apercebi-me que não tinha forças físicas. Estava mergulhada em analgésicos. Não consegui levantar-me e chorei. Chorei muito. Não por mim. Apenas por ele, cujo rosto nem vi, mas senti. Pouco depois levaram-no para o corredor da direita e fiquei acreditando que tudo acabara bem. De regresso ao hospital e presa no meu sofrimento, não suportando a minha dor física, encostei-me à parede e as lágrimas queimaram-me o rosto sem pedir licença... Nesse momento, assisti a um choro quase cantado, um lamento triste e sofrido, de uma senhora de origens humildes que dizia não conseguir respirar. O seu estado psicológico era do mais degradante possível. Levantei-me e quis falar com ela, quis acalmá-la. Esqueci-me de mim. Seguraram-me. Fui impedida de tal. Sou como qualquer humano. Não sou mais que ninguém... Perante tanta vida dorida que desfila bem diante dos meus olhos, considero-me bem e feliz. O meu sofrimento passa para segundo plano. Certa ou errada, a minha vida começa por quem me rodeia. Não consigo odiar ninguém. Até mesmo quem já amei por tantos e tantos anos e que o destino levou à separação, hoje é um dos meus melhores amigos e jamais esquecerei o quanto me fez feliz. Recordar os momentos felizes é a solução para esquecer as amarguras da vida. Desconhecidas ou não, é nas pessoas que se movem em redor de mim que encontro lições de vida e aprendo a valorizar cada segundo perdido que passei agarrada a uma almofada a chorar... Aprendi e formei no meu coração, dadas as vivências que me inflamaram, que o pior drama da vida é fazer da vida um drama. Não vale a pena dramatizá-la mais do que ela parece ser. O dia seguinte não me importa. Apenas tenho o Presente. Isso não significa que não sonhe e que não tenha no coração a vontade de viver muito e ser amada de verdade por um coração autêntico, honesto e sensível. Sonhar faz parte da vida e filosofias de existência existem muitas. Sou feliz, dando aos outros o que eles não têm: atenção, carinho, mimos e, todos os dias, um sorriso - mesmo quando a alma chora - pois nesse sorriso encontro, por vezes, outro, bem maior que o meu, ganho asas e consigo voar. A minha vida só pode mesmo ser vivida assim.

sexta-feira, novembro 04, 2005

Momentos...

Houve dias em que o corpo dela estremecia de prazer só de sentir o vento passando por perto... Houve noites em que a emoção era tão forte que o seu desejo dava asas a uma personagem que ela mesma inventava na hora e sentia-se feliz, vendo ao seu lado, deitado o sorriso mais lindo do mundo. As palavras de amor trocadas, imaginadas ou não, nunca ninguém o soube, ficaram gravadas na memória de quem leu o seu diário: o pequeno livrinho onde ela depositava as suas confidências, plenas de sensualidade, erotismo e vida. Houve dias assim.