Foram várias as vezes que abracei a morte. Foram várias as vezes que decidi viver. Foram tantas as vezes que abracei a vida. Foram várias e muitas as vezes que amei. Nunca me senti atraída pela tristeza de ninguém. Não vivo do sofrimento dos outros. Isso corrói-me. Destrói-me. A incapacidade de ficar assistindo ao sofrimento de alguém, seja ele quem for, sem poder dar uma palavra ou estender a mão, é a dor mais forte que se pode sentir. É um revirar doloroso das entranhas. É perder vida. É perder sangue e ser fria como a pedra de mármore que cobre um corpo acabado de ser entregue ao solo escuro. Na minha vida nunca houve busca desesperada. Nunca houve presas. Não fiz das pessoas vítimas de mim. Isso vê-se no que escrevo.Isso vê-se na emoção que transborda em cada palavra que escrevo e onde se adivinham por vezes lágrimas ou sorrisos. Procuro fazer de cada dia, um momento diferente e especial, mimando e acarinhando alguém que amo e que posso não ver mais no dia seguinte, porque a vida a um dos dois foi roubada por não ser eterna... Temo perder as coisas mais preciosas que a vida me colocou no colo e que foram espalhando amor e amizade no meu caminho. Por isso, não faço delas um brinquedo, como uma criança fascinada com a sua nova fantasia, mas levo a sério e muito, os outros, essa multidão que justifica a minha existência. Se eu pudesse, não hesitaria em arriscar a minha vida por alguém... Não o escrevo por ficar ou parecer bonito. Escrevo porque é assim que sinto as coisas. Vítima de acidente grave, semi-drogada com analgésicos e traumatizada com o sucedido, ao sair do hospital, deparei-me com uma criança que, na inocência dos seus 3 anos aproximadamente, se contorcia de dores, com metade do rosto desfeito, desfalecendo em sangue. No isolamento, onde estive por longas horas e cuja porta ficou semi-aberta, vi passar uma maca. Nela padecia um senhor de idade avançada que não conseguia respirar. Fizeram-lhe ali mesmo, no corredor, a tentativa de reanimação. Instintivamente, tentei sair da cama, retirar o soro e os tubos que me furavam as veias e quis ajudá-lo... De imediato, apercebi-me que não tinha forças físicas. Estava mergulhada em analgésicos. Não consegui levantar-me e chorei. Chorei muito. Não por mim. Apenas por ele, cujo rosto nem vi, mas senti. Pouco depois levaram-no para o corredor da direita e fiquei acreditando que tudo acabara bem. De regresso ao hospital e presa no meu sofrimento, não suportando a minha dor física, encostei-me à parede e as lágrimas queimaram-me o rosto sem pedir licença... Nesse momento, assisti a um choro quase cantado, um lamento triste e sofrido, de uma senhora de origens humildes que dizia não conseguir respirar. O seu estado psicológico era do mais degradante possível. Levantei-me e quis falar com ela, quis acalmá-la. Esqueci-me de mim. Seguraram-me. Fui impedida de tal. Sou como qualquer humano. Não sou mais que ninguém... Perante tanta vida dorida que desfila bem diante dos meus olhos, considero-me bem e feliz. O meu sofrimento passa para segundo plano. Certa ou errada, a minha vida começa por quem me rodeia. Não consigo odiar ninguém. Até mesmo quem já amei por tantos e tantos anos e que o destino levou à separação, hoje é um dos meus melhores amigos e jamais esquecerei o quanto me fez feliz. Recordar os momentos felizes é a solução para esquecer as amarguras da vida. Desconhecidas ou não, é nas pessoas que se movem em redor de mim que encontro lições de vida e aprendo a valorizar cada segundo perdido que passei agarrada a uma almofada a chorar... Aprendi e formei no meu coração, dadas as vivências que me inflamaram, que o pior drama da vida é fazer da vida um drama. Não vale a pena dramatizá-la mais do que ela parece ser. O dia seguinte não me importa. Apenas tenho o Presente. Isso não significa que não sonhe e que não tenha no coração a vontade de viver muito e ser amada de verdade por um coração autêntico, honesto e sensível. Sonhar faz parte da vida e filosofias de existência existem muitas. Sou feliz, dando aos outros o que eles não têm: atenção, carinho, mimos e, todos os dias, um sorriso - mesmo quando a alma chora - pois nesse sorriso encontro, por vezes, outro, bem maior que o meu, ganho asas e consigo voar. A minha vida só pode mesmo ser vivida assim.
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