quarta-feira, dezembro 30, 2015

Memórias do meu avô

O meu avô merece que reescreva aqui o meu texto...


Tenho tantas saudades do meu "avozinho", uma presença única,sempre com tantas histórias de vida para contar, sempre me fazendo rir, com aqueles olhos azuis de galã, charmoso, me mimando com um pão-de-ló gigante, coberto de morangos e chantilly,"tudo light" , avisava."Tem pouco açúcar", dizia-me. Incrível.
O Meu avó plantou-me tanta memória no coração.Exibia-me à sua "patroa" no Carnaval, (chamávamo-la de "Senhora", uma lady americana, que alternava a sua residência entre os EUA e uma grande quinta no coração turístico da Ilha da Madeira), para mostrar os fatos confecionados pela minha mamy, na hora do chá, com as suas amigas. E ele rebentando de orgulho, em tudo o que a neta fazia e dizia. Era mordomo, chefe da cozinha de uma família americana, um cozinheiro, pasteleiro incrivelmente dotado. Daí se entende a arte que nasce das mãos da minha mãe, sempre que entra na cozinha... E eu adorava quando ele regressava dos EUA, onde trabalhava, chegando cheio de aventuras, que lhe ficavam saltando do olhar, sedento por partilhar tudo, as vivências, a peripécia hilariante da sua carta de condução tirada no estrangeiro, os estágios nas cozinhas americanas e as partidas que fazia aos colegas de trabalho...Fazia-me chorar à gargalhada...E lá chegava ele, carregado de histórias, e eu não perdia um único movimento daquele rosto lindo, fascinante, pele fina e branca, com ar de estrangeiro. Já no aconchego do lar, petiscando os cubos de queijo, passando os olhos pelo seu copo de whisky, mostrava orgulhoso um saco de prendas. Gostava desse momento, mas não pensava nele. Simplesmente o interesse puro estava num outro foco de atenção. O mais importante era ter o meu avô ali, à minha frente. Mas recordo com carinho, o cuidado que ele tinha. Lembro-me dos vestidos coloridos, cheios de folhos e adereços, ainda inexistentes em Portugal, da batata frita americana em pacote, da manteiga de amendoim e das iguarias novas que sempre me trazia... E ria-se, ria-se muito das minhas piadas de criança, até mesmo, de uma que me marcou muito. Quando, aos meus 4 anos, decidiram me fazer a pergunta mais dificil do mundo: "De quem gostas mais? Do avozinho ou da Lassie?" (era a cadelinha de estimação: o meu universo quotidiano). Olhei para ele e para a Lassie, e levei séculos a responder. Estavamos na sala, sentados ao piano, ao lado da minha mãe, em silêncio, esperando uma resposta...Não me recordo bem, mas acho que na minha inocência infantil, respondi meia chorona: "Lassie". De repente, lembro-me das gargalhadas, mas não me recordo da resposta. Ele riu-se muito. Essa gargalhada, o riso dele constante, bem disposto, quente e vivo, ainda o ouço, ternamente, inconfundível, no meu pensamento. No meu coração, foi o melhor avô do mundo.

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