Com a idade, ficara assim, mais calma e mais sonhadora, mas sempre risonha, feliz, sentada no seu cadeirão de madeira gasta, cheia de marcas das unhas dos animais domésticos que ali cresceram junto dela, o gato Tobias e a cadelinha Xana.
Ficava ali meditando nos momentos do passado, com os pés inchados de tanta vida e andança na agricultura, nos tempos em que " era uma miúda toda gira", dizia ela, rindo-se, enquanto brincava com os caracóis louros do neto mais novo.
Hoje, último dia do ano, rodeada pelos seus rebentos já chefes de família, com netos e bisnetos a caminho, com os pés quentinhos, adormecidos nas pantufas cor-de-rosa, tinha um sorriso do tamanho do mundo no rosto: "Vem cá, João..." - disse ela, apontando para o seu mais novo. "Deixa-me contar-te, porque me sinto tão feliz, aqui, hoje..." E a família deixava a azáfama da cozinha, a confusão da televisão e o vício dos telemóveis. Aconchegavam-se, assim, junto à sua matriarca, com os olhos grandes de orgulho, ouvindo histórias que sempre ouviram e que pareciam sempre tão novas, mais que interessantes, rindo-se e abraçando-se. Um foguete gritou bem alto lá fora e fez-se silêncio, esperando mais. Era o fogo de artifício que começava a dar os seus primeiros passos na rua. "Feliz Ano Novo, vovó"- interrompeu o neto benjamim, que agora já andava na escola e tudo, de olhos bem abertos, azuis, resplandecendo de vida e de sabedoria. O abraço fez-se intenso, coletivo, doce e a conversa ficou aparentemente pelo meio. Era mais um momento de família, daqueles únicos, que só se vivem uma vez na vida. Lá fora, os foguetes cantavam, visivelmente felizes, também.