terça-feira, maio 05, 2009

Click virtual?

Eis a carta que ela deixou no carro e que infelizmente acabei encontrando quando estava à procura dos óculos de sol, num dos compartimentos laterais. Era para mim. Deixou-me uma carta?
E eu que pensava que já não se escreviam cartas, mas que apenas se enviavam mails ou sms. Estou incrédulo, chocado e triste. Voltei a ficar só. Voltei a ficar vazio. E pior…tenho vergonha de mim e ao mesmo tempo, sinto raiva dela. Adoro-a, mas não me posso prender, sobretudo depois de ter lido isto. Que mulher teimosa. Que mulher chata! Que mulher linda... Que fiz eu?
Olá Mister Y.,
Escrevo-te, em resposta ao desagradável sms que me enviaste em duplicado.
Há já algum tempo, quando me telefonas, que não me apetece falar contigo e tu já sabes disso. Não tenho atendido os teus telefonemas. Desde há muito. Desde que tiveste acesso ao meu número. Evito-os, sob mil pretextos.

Queria esclarecer algumas coisas...
Ao contrário de ti, sou uma pessoa feliz. Luto por esse estado. Sei sorrir. O meu sorriso, sei dá-lo aos outros gratuitamente, sem segundas intenções virtuais ou físicas. Tentei falar-te disso. Recordar-te-ás de certeza.

Disseste que não eras nenhum príncipe. Sim, eu nunca disse que o eras.

Dei valor ao teu coração. Ao contrário de ti, não tive “click” virtual. Não entendo como pode um homem adulto falar de virtualismo dessa forma. Impressionante!

Não tinha o menor interesse físico em ti.

Cansavas-me até com as mensagens de voice-mail longas, maçadoras e sem interesse algum para mim, deixadas para ouvir em última instância. Não precisava de ti para ouvir palavras bonitas.

Quis conhecer o teu ser espiritual.

Não me coloquei nas tuas mãos para me escolheres, Mister Y. Não preciso de me submeter a isso. Por isso, nauseou-me classificares-me, afirmando que eu teria “superado as expectativas”.
Chocou-me a tua limitação literária.
Como é que alguém que supostamente deveria fazer leituras diversas, um homem da política, não percebe textos de ficção? Falo dos meus textos de ficção!

Fiquei horrorizada…

Pensas que o Paulo Coelho estaria a falar dele quando escreveu o "Alquimista", o teu livro de eleição? Quando escreveu o "Onze minutos" encarnando o papel de uma prostituta, era ele essa mulher? Que mundo literário é esse, pequeno e limitado, em que vives?
Não foste nunca a minha prioridade. Não poderias sê-lo.

Paulo Coelho está superado, em termos de "Alquimista", meu caro amigo. Não acredito que essa filosofia repetitiva e tão desgastada te traga sucesso. Abrir os horizontes do pensamento é uma qualidade. Cultivada, permite voar e ser livre, respeitando os outros, sem narcisismos.

Põe os pés na terra. Percebe que não chegaste nem a sair do ponto de partida. Estagnaste, caro Mister Y.
Nem mesmo o "Perfume" de Patrick Süskind conseguiste sentir? Incrível!
Não estou na Política, amigo Mister Y., como tu, e orgulho-me disso.
Ambos também sabemos o motivo.
É nas asas das Artes que me deixo voar. Não pretendo conquistar ninguém com as minhas aptidões, muito menos recorrer a excertos de monólogos monótonos, do tipo político.

Nada mudaria o vazio que senti na tua presença. Exalas solidão e tristeza. Até no tom de voz. Não sabes, nem consegues sorrir. És um homem triste, escuro, um poço de amargura ambulante. Vagueias só na excuridão de uma falsidade, de aparente modéstia, chegando a ser cruel de tanta frieza. Parece que estás morto sem qualquer motivo de existência, agarrado a uma ideologia política também ela desfalecida. Alegas que pretendes deixar algo para a Humanidade? Com atitudes tão pouco dignas que aqui não exponho, caro Mister Y., não vais muito mais longe, além do primeiro degrau do bloco de apartamentos onde vives. Ambos sabemos a que me refiro.

"Ninguém é perfeito". Sem dúvida.
Aceitei conhecer-te, apenas por ética, o único princípio viável que me moveu até ti.
Perdi, realmente, o meu tempo.“

Uau… Estúpida! Li isso de um fôlego e rasguei a dita carta em mil pedacinhos, com desejo de processá-la, de magoá-la ainda mais, de estragar a vida dela e de vê-la realmente infeliz, sem aquele sorriso sempre na cara, sempre gentil, directa. O optimismo dela e sua frontalidade irritaram-me mesmo. Senti o sangue ferver nas veias. O meu orgulho de homem esmoreceu. Pior que tudo… Fiquei com o dia estragado e andei com o telemóvel desligado por umas horas, com vergonha, até da minha própria sombra.

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