terça-feira, dezembro 12, 2006

Sinto-te.


Queria contar-te uma coisa...

Outro dia , senti-te por perto e pensei em tudo o que já vivi. Foste e tens sido o caminho que encontro diante de mim. És a porta que se abre diante dos meus olhos e me deixa ver a outra margem, sem receio de escorregar e cair nas águas do pensamento, pois sei que, até nesse momento, tu estarias lá, afastando o lodo das pedras e mostrando o quanto são cristalinas as nascentes que aqui correm. A tua presença é luz, imagem pura, sem efeitos adicionais, sem tradução nem reflexos. Estás por todo o lado, atento, sereno, sorridente, prendendo-me à terra e à vida no verde-esperança pronunciado da relva que me acaricia os pés e sustenta os medos. Estás nos sonhos, na escrita que aqui surge. És simplesmente tu, a pessoa mais importante da minha vida, mesmo que não saiba o teu nome, nem onde vives, nem o que sentes ou pensas. Mas sinto-te. Sei que estás aí, desse lado. Sei que existes.

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Gatinho!

Porque será que ele, de repente tornou-se a estrela mais interessante deste blog? Só me falam no gatinho. Confesso que também penso muito nele, o encho de beijos, mimos e ternuras, por mais que me vire as costas e insista em se limpar todo após os meus afagos. Que personalidade fria! Porque será que não resisto a lhe dar beijos e colo? Pura sedução. Peste do gato! Não é à toa que outro dia, as saudades eram tantas que quando dei por mim, estava em plena tentativa de falar com o gato pelo telemóvel. Ele não respondeu, mas pelo andar da carruagem, um dia destes ainda começa a falar. Registarei o momento, prometo.

sábado, dezembro 09, 2006

Almas gêmeas.

Estava visitando o Blog de Edson Marques e deparei-me com esse texto, como sempre intenso e sublinhado por um tempero de humor único, embriagante, um deambular que só ele consegue tecer.

Afinal o que são"almas gêmeas"? Leiam e concluam. E não se esqueçam. Rir é o melhor remédio.


"Os casais ficam cada vez mais parecidos. Comem o mesmo tipo de comida, usam os mesmos temperos, fazem as mesmas coisas, vivem na mesma casa, dormem na mesma cama, usam as mesmas toalhas, vêem os mesmos filmes, os mesmos programas de TV e quase sempre engordam com a mesma freqüência. Levantam às mesmas horas, usam o banheiro ao mesmo tempo, conversam sobre os mesmos assuntos, freqüentam os mesmos lugares, fazem amor (quando fazem) com a mesma pessoa (um só com o outro, quase sempre, e depois quase nunca!), recebem os mesmos amigos, as mesmas visitas, as mesmas influências... Acabam tendo portando os mesmos preconceitos, a mesma visão do mundo, os mesmos filhos, as mesmas regras, os mesmos planos, o mesmo tédio, o mesmo horror. Saciam-se de banalidades e entopem-se de quinquilharias. Estrangulam suas mútuas liberdades. Anulam-se. Tudo em nome de uma harmonia que suporte (nos dois sentidos) a relação... Por isso é que vão ficando cada vez mais parecidos. Até na forma de andar eles se parecem; e nas roupas que usam; e no extravagante estilo de vida. Mas o marido, pra se salvar, morre antes. Naturalmente... "

sexta-feira, dezembro 08, 2006

Ligação à terra


Dizem que com o tempo vemos melhor as coisas...

Eu diria antes que vemos mais coisas.

segunda-feira, setembro 04, 2006

Bolachas de água e sal


Chamava-se "Nina". Pelo menos entendi de apelidá-la dessa forma, assim que a vi. Era linda. Sempre pontual, aparecia no beiral da varanda onde se ouvia o alvoroço da criançada na piscina. E ficava ali olhando para nós, com ar faminto e agradecida. Comia duas ou três bolachas de água e sal e saia feliz, esvoaçando sobre a confusão entusiástica, lá em baixo, onde os corpos mais que bronzeados se refrescavam.
Sempre que a via chegar, falava com ela. No quarto, ouvia-te vasculhar a máquina fotográfica. "Nina" ficava ali posando, ouvindo o meu tom doce, quase que a abraçando e ignorando os flashs sequenciais que disparavas, maravilhado. Não fugia de nós. Estava habituada, como se nos tivesse conhecido a vida toda.
Emocionava-me a ternura da "Nina", cada detalhe do seu corpo e dos seus gestos, comendo delicadamente as bolachas de água e sal, esmagadas sobre o cimento cinzento do muro.

segunda-feira, junho 26, 2006

Reflexos


- Tens a certeza que não estás acrescentando nada ao guião?
Susana meteu-lhe a mão sobre os ombros.
- Nadinha. Estou simplesmente sentindo o texto.
Cristina permaneceu na dúvida. A emoção da amiga parecia tão real que até lhe dera um calafrio. Susana ficou no relvado, embriagada no texto que decorara. Cristina afastou-se. Continuava visivelmente apreensiva. Sentia o ciúme e a raiva, até nos gestos minúsculos de Susana, recortados pela sombra das árvores já distantes...
Deslizou os dedos suavemente pela água morna da lagoa, murmurando:"Isto é teatro puro, nada mais. Susana é uma actriz... Está apenas representando."
Li o movimento dos seus lábios. Ficamos olhando uma para a outra, amedrontadas.
Era assustadoramente parecida comigo, em tudo e em nada. A dança com os dedos na água calma da lagoa, acelerou, esboçando círculos, numa valsa perdida. Senti a indefinição do contorno dos meus traços, presa na sua imagem. Ainda consegui espreitá-la, na confusão das águas turvas, endireitando os cabelos louros, com ar pseudo-altivo que não escondia a ninguém a humildade, desenhada, exposta no rosto, ligeiramente perturbado.
Afastou-se da lagoa e eu fiquei ali, escondida no escuro do lodo sedentário, esperando pelo dia seguinte, presa no medo de não voltar a ver o meu reflexo.

sábado, março 18, 2006

Éternité...


Ça fait longtemps que je n'écris ni une ligne sur ce petit coin de mon coeur ni un tout petit mot...

Ça fait longtemps que j'ai perdu les rêves et l' espoir d'être ce quelqu'un que j'ai toujours fait semblant d'être...

Ça fait longtemps que je me suis perdue dans l'espace inconnu de mon âme, comme un fantôme qui parcourt les couloirs de son chemin vivant...

Pour le moment, je ne sais que ça fait longtemps...

Ça fait longtemps que j'ai fermé les yeux à la vie et que je me suis transformée dans une ombre silencieuse, angoissée à cause d'un cri de vie, étouffé dans ma mémoire, morte, devant toi.

Ça fait vraiment longtemps...

sexta-feira, fevereiro 17, 2006

Espelho do tempo


A vida é isto mesmo.
É feita de traços que se descobrem de forma ilógica aparentemente e que escondem o ego acorrentado de um personagem visualizado algures, encarnado agora, fruto de carências afectivas transpostas num espelho quebrado em pedaços...
A vida é isto mesmo.
É um tempo (in) completo onde ficamos pisando os pedaços de um espelho que deixa morrer uma imagem sentida e impossível de ser colorida pelos olhos, sem medo de deixar sangrar as feridas que se rasgam na pele, desenhando cicatrizes, com a certeza de que as farpas de vidro perdidas, apenas ali ficaram, abandonadas num espaço que nunca existiu.
A vida é isto mesmo: algo que não se compreende, apesar da sua transparência sempre evidente. É sangue, céu, mar, guerra, verde, azul, núvem, árvore, flor, sorrisos, lágrimas, dor, enigma, espelho que se vê, toca, sente e até cheira, de olhos fechados, mesmo quando desfeito em pedaços.
A vida é isto mesmo, por isso dá tanto gozo vivê-la.

sábado, janeiro 28, 2006

Imagina.

- Faz como eu.... Escreve e desabafa para o papel, os sentimentos que nunca tiveste e as histórias que nunca viveste.

- Mas pareces tu, Ana...

-Achas que sim? Partilhas a teoria de que também encontrei uma criança abandonada e adoptei-a. Achas que ganhei um Diário Íntimo de alguém que morreu? Achas que devoro chocolate?

Catarina calou-se. Sabia bem que eu era alérgica a chocolate e que estava longe de ser mãe.

- Mas...

O seu pensamento foi cortado pelo amontoado visível de ideias que explodiam em si.

Calou-se novamente. Dei-lhe um abraço apertado.

- Minha pequenina, estou bem. Catarina, as palavras estão vivas em mim. Alimento-me delas e vivo-as intensamente. Não tentes encontrar explicação para o que escrevo. Quero que sintas e se duvidares... é sinal que consegui o que queria: escrever de forma tão real, capaz de te confundir, despertando questões em ti, vivendo o meu texto. Esse, Catarina, é o verdadeiro objectivo de quem escreve...Fazer com que as suas palavras sejam engolidas por inteiro, que os olhos saltem de linha, ansiosos, sofregos, isolando-se do exterior, mesmo que passe junto de ti um autocarro, um carro de bombeiros, um grupo de turistas barulhentos e tu permaneças sentada, lendo, num mundo mágico que só tu conheces, agarrada ao texto que vais desvendando com curiosidade. Nem mesmo nas pessoas que escrevem o seu diário, o decalque existe, Catarina. De uma forma ou de outra, a imaginação acrescenta pedaços de história que nunca aconteceram. O prazer da escrita reside nisso.

Maria aproximou-se com um sorriso.

-Como se comportou ela, Ana?

-Lindamente como sempre. Está crescendo, a tua menina.

Catarina recebeu a mãe com um abraço e olhou directamente para mim, desafiando-me.

- Mas os sonhos, Ana, podem acontecer na vida real. Vais negar isso também?

Sorri.

A miúda sabia realmente como me deixar sem argumentos.

Não argumentei. Não podia fazê-lo. Por vários motivos.


sexta-feira, janeiro 13, 2006

Tempestade...

Ao folhear o Diário dela, uma das suas últimas confidências prendeu-me por completo. Deixo aqui um pequeno excerto:


"Não me esqueci de ti. Não poderia. Tenho vivido uma tempestade interior. São 5h24 da madrugada. Pela segunda noite não durmo. Estou vazia de sonhos e de ambições. Sinto-me perdida, sozinha e carente. Dispo a minha alma assim, diante de ti, talvez porque saiba que não me irás julgar. Considero-te meu amigo, pela tua presença hoje, neste meu espaço, onde sempre peço que fiques. Não meço a amizade pelo tempo de existência, mas pela sua qualidade. Perdida e cega na tempestade, andei por lá, à beira do precipício e sinto-me mergulhada numa tristeza sem limites... Não sei se sofri de mal de amor ou se estou com orgulho ferido. Não sou fácil. Tenho uma personalidade explosiva e defendo as minhas ideias. No entanto, reconheço que sei ouvir, sei ser tolerante, aceitar que erro e deixar-me crescer como pessoa. Isso ajuda-me. Essa humildade em reconhecer e tentar melhorar faz-me deixar as atitudes próprias da imaturidade. Mas as aparências iludem. Esta personalidade "iceberg" derrete como manteiga... Não fiques chocado. A ingenuidade, na velhice, ainda existe. Não tem idade. É tão fácil ser iludida, usada e enganada. Um dia, alguém a quem abri o meu coração, disse-me: "Estou demasiadamente frio para dizer que te amo". O contexto? Nem eu mesma sei qual foi... O efeito dessa afirmação, ficou-me para sempre no peito, na alma, na vida, trespassada por uma espada fria que me levou o último fio de felicidade. São raras as vezes que abro meu coração ao amor. Devoro a amizade sofregamente e entrego-me por completo. Chego a ter receio de amar, porque sempre sofro, perdida em sonhos que não existem. Embora saiba que a culpa nunca pertence a só uma das partes e que a tempestade não nasce do nada, começo a duvidar seriamente se não serei eu a única culpada desta inexistência triste que vivo secretamente, no meu cantinho, quando entro em casa e deparo-me, sozinha, diante das paredes silenciosas. Olho-me ao espelho...Não vejo nada disso, das palavras bonitas que me dizem. Sinto-me vazia e perdida. Vejo uma mera sombra reflectida que já nem luz tem. Não sou bonita. Já o fui, por dentro, como pessoa. Pouco importa se algo em mim desperta a atenção no sexo oposto. Transformei-me em sombra. Por dentro, amontoam-se nuvens carregadas de chuva. Nada tem interesse agora. Não sei porque ainda tento decifrar, por vezes, a sombra opaca que produzo. Do modo que me sinto, até parece que alguém morreu. Chego a pensar se terei sido eu e tenho medo. Sinto-me usada e abandonada, mas a minha vontade de não preocupar os outros é maior que tudo. Disfarço...disfarço...e disfarço... Sozinha, encolhida no meu esconderijo, dispo-me da alegria e dos mimos que tento dar aos que de mim precisam. As lágrimas sempre secam no desespero de acalmar um coração amigo. No entanto, a angústia ficou acumulada, presa e mais sofrida do que nunca. O meu poço de tristeza não tem fundo. Gerou-se uma tempestade sem limites que me suga tudo: o sangue e o ar que respiro. O futuro anda entrelaçado num céu escuro. Não vejo nada diante de mim. Sinto um aperto no peito gigante, perante essa escuridão que me cega e o abismo profundo que sussurra o meu nome, chamando por mim. Estou caindo na extinção. Quando acabo o meu trabalho, de coração cheio com os sorrisos recebidos, os mimos e a amizade, logo a felicidade desmaia e vejo apenas, diante de mim, uma sala vazia, isenta de vida, e onde fui feliz por momentos. Logo regresso ao meu silêncio e à solidão, mais vazia e nua do que nunca, despida de tudo, de vida e de querer. Desculpa o desabafo. As palavras estavam explodindo em mim. Vive a vida, amigo. Aproveita-a, ao máximo. Como diz Edson Marques, esse grande e sensato escritor que tanto me faz rir como me emociona profundamente: "Mude...mas comece devagar porque a direcção é mais importante que a velocidade (...) Só o que está morto não muda"... Quanto a mim, já não sinto espaço nem tempo para mudar, por isso temo já ter abraçado a morte e entregue meu último suspiro à tempestade que devastou todos os meus sonhos. Beijo no coração".

Não pude deixar de chorar quando li isto. Pensei no quanto éramos parecidas, embora de gerações tão díspares. Compreendi, mais uma vez o motivo de ter sido eu a escolhida para ficar com o seu pequeno Diário. A sua ausência, tão recente, embora ferida pela dor e pela saudade, fica docemente apaziguada nas palavras que escrevia todas os dias e que me entregou com um sorriso, envelhecido, mas terno, sempre com aquele ar de menina, impossível de esquecer. Recordo o olhar sereno que me dirigiu e as últimas palavras que ouvi: "Fica com ele, o meu Diário. Lê-o, aprende e cresce..."