Contava as horas agarrada a um livro, saltando linhas e tropeçando desalmadamente nas palavras sussurradas no meu pensamento e nos sons prolongados do teu ressonar. Dormias ao meu lado, tranquilo, descansado, isento dessa emoção tão humana, quase adormecido também nos sentimentos que fechas a sete chaves, nem sei bem porquê. As horas teimavam em ficar presas, indiferentes, no relógio também ele frio, cansado em cima da mesa de cabeceira. O livro era tudo menos interessante. A cada teu respirar, eu sentia que estava no sítio errado e na hora errada. Havia tudo ali menos amor no ar. O quadro que os nossos corpos pintavam esmorecia sem cor. Era tão simples: fechar o livro, fechar a porta e virar a página. Era tão simples aparentemente. Apesar do ruído sem ritmo, ensurdecedor no silêncio do escuro, do teu respirar pesado e despreocupado, era a ti que eu amava. Era ali que o meu coração pedia para ficar todos os dias, acostumado, embriagado, cego, mudo num amor que era e foi tudo menos correspondido. Apaguei a luz, meti algodão nos ouvidos e atropelei o vazio que me invadia a alma. Curiosamente, nunca te aperceberas que raras eram as noites em que conseguia adormecer ao teu lado. Amanhã, seria certamente outro dia.