Esta é a minha menina. Nasceu em Outubro, segundo as previsões médicas. Era uma cadelinha abandonada. Quando a fui buscar era pequenina e estava muito doente. Os outros animais, na sua jaula de precárias condições, foram-me sugeridos como objectos. Olhei para a Carlota. Lembrava-me um pouco a Janette, mas outros cães que lá insistiam em chamar-me, enchendo o ar de latidos quase desesperados, eram muito mais parecidos com a minha doce Janette. Olhei para a Carlota e solicitei que abrissem a sua jaula. O nome que lhe tinha sido atribuído era deveras estranho. Nem vale a pena referi-lo. Dá vontade de rir. Sei que Carlota também suscita um sorrisinho, por ser nome de pessoa. Na minha opinião, qualquer animal merece um nome digno. Um nome de pessoa.
Quando a vi, estava junto da sua mãe e irmã que tinha o pêlo completamente pretinho. A mãe, adoentada, com pneumonia (conforme me informaram posteriormente) e a caminho da esgana, como é usual nestes sítios, onde os surtos se espalham num piscar de olhos, exibia a mistura das cores do pêlo das filhotas. Quando peguei na Carlota, estava emocionada. Não consegui controlar-me e chorei. As saudades da Janette eram tantas e cada vez são mais. Aquela lacuna ficou para sempre. Na altura, tinham passado duas semanas após o sucedido com a minha menina. E eu, nessa altura, tinha jurado não me afeiçoar mais a nenhum animal de estimação. Impõe muita dedicação, responsabilidade, tratamentos e cuidados e, na sua eventual perda, o mundo desaba. Sofremos muito. Esse tipo de dor não se perde nunca.
Naquele momento, quando olhei para a Carlota, encantei-me de imediato pela cadelinha frágil e pequenina que se aconchegava nos meus mimos e me lambia a cara toda, de forma descontrolada. O seu pêlo era macio e lindo. Mesmo trémula, assustada, não parava de me lamber a cara.
Sentia o pulsar do seu coração pequenino nas minhas mãos. Era tão pequenina que podia segurá-la apenas numa mão. Espirrava frequentemente, aparentando estar doente, por isso insisti na consulta médica imediata, o que não ocorreu. Carlota foi assim colocada nos meus braços: doente e debilitada. Não consegui separar-me dela. Carlota escolhera-me a mim, nitidamente. Um dia a mais naquele lugar e a pequenina estaria provavelmente condenada a um destino muito doloroso. Seguiram-se internamentos, tratamentos, ansiedade e muitas lágrimas, na eminente perda de mais uma cadelinha, após uma semana de adopção, ao serem escutadas as palavras inseguras de alguns médicos que não poderiam ter a certeza se ela progrediria para a "esgana" ou não. O seu estado de saúde era incerto e, progressivamente, cada vez mais debilitado. Lutei por ela. Lutei, procurando os melhores veterinários e internamentos, tentando dar-lhe tudo o que pudesse salvá-la e essencialmente, acarinhando-a, adormecendo-a nos meus braços e cobrindo-a de mimos.
Num dos últimos internamentos, quando a fui buscar, o Dr. colocou-a nos meus braços e ela, diante de alguns familiares que me acompanharam e de algumas pessoas que estavam ali com os seus animais, ao reconhecer-me, lambeu-me de novo a cara toda, com a cauda numa agitação veloz e descontrolada, visivelmente feliz em ver-me. No espaço em que estava, toda a gente parou, inclusivé o veterinário da Carlota, surpreendido pela alegria da pequenina em rever-me, mesmo estando comigo há tão pouco tempo. Lembro-me que um dos rapazes que lá estava disse-me a sorrir, ao ver a minha atrapalhação: "Certamente, nunca levou tantos beijos assim". Eram "lambidelas", sublinhe-se. Deu-me imensa vontade de rir. A minha alegria era tamanha e a chuva de beijos da Carlota no meu rosto prolongava-se e intensificava-se, ignorando tudo e todos.
Já tem 8 meses, a minha bébé... Os dentinhos de leite que caiam da forma mais inesperada, foram quase todos substituídos pela dentição definitiva e está ficando forte, crescendo. Tantas vezes, nas suas correrias disparatadas, embatia numa cadeira e lá ficava remexendo a língua de forma estranha. Aproximava-me e tirava-lhe da boca um dente de leite, antes que se engasgasse. Frequentemente, os animais engolem os dentes de leite ou deixam-nos caídos pelo chão. Mas nesta maluquice das suas brincadeiras constantes, entende-me e mima-me de forma única. Delicia-se com os brinquedos e peluches que lhe compro e arrasta-os pelo chão como um troféu. Quando a máquina de lavar decide engoli-los por umas horas, parece que lhe arrancaram um tesouro e, sem nenhuma timidez, dá o seu escândalo canino no pequeno quintal onde brinca.
Hoje foi dia de banho, pelo que se sente o cheiro a colónia de bébé já à distância. Está linda, cheirosa, com o pêlo macio e brilhante. Carlota sabe-o e hoje está mais vaidosa do que nunca. Está se restabelecendo e, a cada recaída, luto para que seja uma cadelinha saudável, sem mais problemas e complicações. Já sofreu muito, tendo apenas 8 meses de existência.
Falo com ela como falaria com uma pessoa, explicando-lhe certas situações, ensinando-a, repetindo palavras e dando-lhe beijos a toda a hora, pelo que, muito provavelmente, os vizinhos devem julgar que sou maluca.